quarta-feira, 27 de maio de 2009

Feitiço, curas e medicina

Ir Milagros Moreno, Stj
(Médica do Hospital do Cubal)
1.Experiência missionária
A pessoa age conforme pensa e acredita. Por isso, talvez, São Paulo nos diz: “renova-os pela transformação da mente...”. Conseguir distanciar-nos do nosso pensamento para nos renovar, faz parte do processo evangelizador que nos permite ser objectivos e analisar os acontecimentos à luz da fé, à luz d’Aquele que é a Verdade, o Caminho e a Vida. Não me sinto com direito ou conhecimento suficiente para falar do feitiço mas acho que é importante dialogar ou ajudar a dialogar com o que é uma prática habitual do nosso povo e que por vezes leva a um aumento da mortalidade, especialmente nas crianças. Sou consciente de que embora nascida em terras africanas (Melilla ao Norte da Africa) recebi uma educação que me impede chegar a compreender este tema, mas quero oferecer estas reflexões com o maior, respeito e carinho descalçando-me como Moisés pois estou pisando a terra sagrada. Abordo acontecimentos deixando que a análises e os juízos sejam feitos pelo leitor.
Costumamos receber crianças que aparecem no hospital depois de muitos dias de doença, por vezes meses, e se perguntamos uma grande maioria já passou pelo chamado “tratamento tradicional”. Existe o convencimento de que há determinadas doenças que só podem ser curadas por esse tratamento. E em que consiste esse tratamento? Habitualmente, segundo nos explicam os pacientes, utilizam-se produtos de ervanária, raízes, plantas, junto a rituais para descobrir a origem da doença. É aqui o que realmente importa para as pessoas, saber a origem do mal, da doença. Porque só quem conhece a origem pode pôr remédio e combater o mal.
2.Tipos de medicina
Existem distintas formas de exercer a medicina e hoje é muito frequente encontrar alternativas diferentes à medicina chamada moderna ou ocidental. Esta medicina que se baseia em evidências, relacionando sintomas, sinais, provas complementares e a experiência descritas pelo mundo cientista que ensina a diagnosticar e tratar com medicamentos elaborados por laboratórios credenciados. Outras alternativas diagnosticam desde outras abordagens como estudo do íris, das energias que desprende o próprio corpo, tratamentos homeopáticos, de ervanária, curas com argila, urinoterapia, etc. Existem práticas que são inofensivas mas há outras das que devemos alertar, especialmente o que tem a ver com fumaças e cortejamentos, pois a inalação de fumo é prejudicial assim como os cortes, prática muito conhecida desde a antiguidade que foi abandonada, não só porque não cura mas porque prejudica provocando casos de abcessos, tétano e transmissão de vírus como a hepatite e o VIH.
3. Factos: diagnóstico
Mas a grande preocupação com que nos encontramos é quando a família não aceita o diagnóstico e as orientações dadas e busca desesperadamente “o culpável’. Recentemente um filho e duas filhas mataram a catanadas a própria mãe por pensar que ela era “a culpável” da morte duma outra irmã. Como se pode permitir que alguém, chamado curandeiro, indique que uma pessoa é responsável da doença ou da morte doutra e provoque a resposta nos familiares de destruir a essa pessoa. Uma mãe foi batida pelo próprio filho pelo falecimento do neto e tantos casos se poderiam relatar! Perante o diagnóstico de convulsões por malária ou meningite ou simplesmente convulsões por febre, próprio da idade infantil, os familiares fogem evitando nalgumas ocasiões que o tratamento possa realizar o seu efeito e curar o doente. Procuram rapidamente aquele que lhes tranquilizará o espírito indicando quem é o culpado.
É importante diferenciar entre sintomas ou doenças psico-somáticas e outras doenças que precisam de tratamentos já identificados e certos. Doenças como as infecciosas, tuberculose, SIDA, devem ser diagnosticadas e tratadas precocemente para garantir uma rápida cura sem sequelas.
4. Cura e ignorância
Debaixo de todos estes fenómenos se encontram várias causas entre elas o medo, gerado por tantos momentos vividos provavelmente no entorno familiar. Medo que só se poderá combater com uma educação que capacite a pessoa a ter um pensamento crítico, a dialogar com a cultura e as tradições. Também com uma formação religiosa que ajude da mesma forma a dialogar com o evangelho, confrontando as atitudes de Jesus com a realidade. Uma formação cristã que liberte de facto o homem e a mulher: “Eu vim dar a liberdade aos oprimidos”. A pobreza e a miséria familiar ajudam a aumentar a prática do feitiço, envolvendo crianças que chegam a acreditar que são feiticeiras porque o poder da mente nelas é mais forte. Deveremos saber aproveitar esse mesmo poder da mente que a criança tenha e utilizá-lo para sarar e dar vida. Muitas crianças morrem por não receberem atempadamente ajuda médica e medicamentosa. Os pais atrasam consideravelmente, perdem-se com diagnósticos em busca da suposta paz familiar ferida com a doença. Deus, ajudemo-nos a realizar uma reflexão profunda à luz da Tua Palavra e comprometamo-nos na defesa da vida.

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