quarta-feira, 6 de janeiro de 2010

EDUCAÇÃO E DEMOCRACIA: Refletindo sobre educação em Angola partindo da democracia em DEWEY [1]

Martinho KAVAYA [2]
Universidade Federal de Pelotas - UFPel

A presente reflexão, de cunho bibliográfico visou trazer à tona o conceito de democracia para entender a educação em Dewey. Para o efeito, tentei navegar em algumas obras do ou sobre o autor em questão. Para compreender qualquer autor é interessante, antes de tudo, conhecer o seu “sitz im leben” ou contexto vital. Por isso, os dados bibliográficos do autor foram importantes, pois nos permitiram localizá-lo no tempo e no espaço para o entendermos no “hic et nunc” (aqui e agora), sobretudo, de Angola em reencontro consigo mesma, depois de longos anos de guerra, desenhando seu perfil democrático.

Como minha pesquisa, no doutorado, reflete sobre a cultura do amém que perpassa a história de angola, antes, durante e depois da colonização, acredito que a temática “Educação e Democracia em Dewey”, será pertinente para uma sociedade marcada pela cultura de subserviência. Neste ensaio quero a partir da abordagem de Dewey pensar sobre a possibilidade da educação democrática em Angola.

Numa primeira fase disserto sobre Dewey e o seu tempo, onde trato especialmente a despeito da vida, obras e pensamento filosófico. Seguidamente, trago a questão da democracia, para, num terceiro momento, falar da educação no autor, o que me remete para a educação hoje em Angola, isto é, outro jeito de fazer acontecer a educação que parta da cultura ondjangiana (dialógica) deste país que quer ser democrático.
Assim, fundamentados numa proposta biobibliográfica (GADOTTI, 1996), permitiu a compreensão do autor e seu pensamento para entender outra proposta de fazer acontecer a educação na hora crucial deste país.

1 Dewey e o seu tempo: um olhar biobibliográfico

Este primeiro ponto reflete sobre a bibliografia do autor, suas idéias fundamentais ou pensamento e obras. Nesta ótica, faz sentido que nos atenhamos em responder a seguinte questão: Quem foi Dewey e qual é o seu mundo da vida? Quando falamos em mundo da vida de um autor, nos referimos, concretamente, como diz Husserl (2002, p.49), ao “mundo histórico-cultural concreto, sedimentado intersubjetivamente em usos e costumes, saberes e valores entre os quais se encontra a imagem do mundo elaborada pelas ciências”, ao âmbito das “originárias formações de sentidos do qual nascem as ciências” (ibid), ao mundo da experiência vital, das subjetividades e das intencionalidades, ao mundo, enquanto história e como teleologia . Afinal se trata deste mundo que antecede a toda a conceitualização metafísica e científica (ibid.). É sobre este mundo, do qual nos queremos debruçar neste momento.

1.1 Dewey e seu mundo da vida

Dewey nasceu em Burlington, Vermont a 20 de Outubro de 1859 e faleceu dia primeiro de Junho de 1952 em Nova York. Ambos os pais de John Dewey provinham de famílias de agricultores, mas o seu pai adquiriu uma mercearia que cedeu aquando da Guerra Civil Americana. Depois de sua desmobilização, o pai de Dewey adquiriu uma tabacaria.
John Dewey viveu em Burlington até 1875, com excepção de um curto espaço de tempo, entre 1864 e 1867, em que viveu no estado de Virgínia, onde se localizava aquartelamento do seu pai.

Os anos compreendidos entre 1875 - 1879 Dewey estudou na Universidade de Vermont, tendo freqüentado disciplinas de História Natural e de Filosofia. Terminada a licenciatura tornou-se professor do "high school ", o equivalente no sistema de ensino norte-americano do ensino secundário, na Penssylvania e em Vermont.

Nos anos de 1882-1884 doutorou-se em Filosofia, na Universidade Johns Hopkins. Sua tese de Doutorado, intitulada "A Psicologia de Kant" nunca foi publicada, e seu paradeiro é atualmente desconhecido.

1884-1894 Dewey foi convidado a fazer parte do Departamento de Filosofia da Universidade de Michigan, onde se manteve, com um interregno, de 1888 à 1889, durante o qual foi Professor de Filosofia Mental e Moral na Universidade de Minnesota. Em 1889 Ele retornou à Universidade de Michigan, onde chefiou este departamento até 1994.

1894, o Filósofo foi convidado para ser responsável pelo Departamento de Filosofia, Psicologia e Pedagogia da Universidade de Chicago recém formada. Nesta Universidade ele participou do "Ciclo de Chicago", responsável pelo desenvolvimento da Filosofia do Pragmatismo, criou e impulsionou o desenvolvimento de uma escola-laboratório, a conhecida, mais tarde, como “Lab School” (escola-Labiratório), conforme o descreve Cambi (1999, p.547). Esta escola foi criada com o objetivo de desenvolver novas teorias e métodos de ensino e não o de treinar futuros professores.
Conforme o salientamos na primeira parte deste ensaio, Dewey graduou-se pela Universidade do Vermont em 1879 e exerceu as funções de professor do ensino secundário durante dois anos, época em que desenvolveu um profundo interesse pela Filosofia. Em Setembro de 1882 deixou o ensino e retornou à universidade para estudar Filosofia, na Universidade Johns Hopkins, obtendo seu doutorado.

Dewey exerceu a função de professor de Filosofia na Universidade de Michigan, onde ensinou a partir de Setembro de 1884. Três anos mais tarde (1887), publicava o seu primeiro livro, Psychology, onde propunha um sistema filosífico que conjugava a estudo científico da psicologia com a filosofia idealista alemã.

Esse livro foi importante para o passo seguinte da carreira de Dewey: o cargo de professor de Filosofia Mental e Moral na Universidade de Minnesota, que assumiu em 1888. Porém, no ano seguinte, após a morte súbita do seu mentor, George Morris, regressou à Universidade de Michigan para se tornar chefe do Departamento de Filosofia. Em 1894, no entanto, saiu de Michigan para a recém-criada Universidade de Chicago onde em breve passava a liderar o departamento de Filosofia e o departamento de Pedagogia, criado por sua sugestão.

No final da década de 1890, Dewey começou a afastar-se da sua anterior visão idealista neo-Hegeliana e a adoptar uma nova posição, que veio a ser conhecida mais tarde como pragmatismo.

Depois de problemas graves na política interna do Departamento de Educação da Universidade de Chicago, Dewey abandonou a instituição para se ligar à Universidade de Columbia, em Nova Iorque, onde permaneceu até ao fim da sua carreira no ensino, em 1930. Continuou, no entanto, a ensinar como Professor Emérito até 1939, e continuou a escrever e a intervir socialmente até às vésperas da morte.

Entretanto, nos anos de 1904, o Educador foi convidado a fazer parte do corpo docente da Universidade de Columbia, na qual permaneceu até à sua reforma em 1930. Mesmo assim ele se manteve como professor emérito até 1939.

1.2 Dewey e seu pensamento

Dewey, professor de 1904 a 1931 na Universidade de Colúmbia em Nova York, é um dos representantes mais significativos do pragmatismo norte-americano. Daí a razão de ser da afirmação de Mondin (2003, p.127), segundo a qual “Dewey é o terceiro grande representante do pragmatismo americano”.

Assim, este pensador, partindo das ciências naturais, do materialismo, do behaviorismo e da experiência prática, concebeu o pensamento como um instrumento para o intercâmbio, definindo, por isso, sua filosofia como instrumentalista.
Para ele, o crescimento e o desenvolvimento são as palavras-chave de seu pensamento filosófico, cujo objetivo primordial é a solução das tensões e a melhoria das relações sociais. Dewey defendeu uma humanização da sociedade capitalista, e sua obra pedagógica “Democracia e Educação” (1916) foi determinante para o que neste século se evoluiu no sistema educativo norte-americano. Para tal, segundo o filósofo-educador, redige Mondin (ibidem),

"sendo o homem um animal social, o seu agir deve tender sempre mais para a socialização, para a solidariedade, a fim de que se constitua uma sociedade verdadeiramente democrática, capaz de realizar o domínio completo da natureza, submetendo-a aos nossos fins. E uma organização verdadeiramente democrática da sociedade tem como princípio que cada um considere a atividade do outro como ponto de referência da sua, permitindo assim a coordenação da multiforme atividade humana em sociedade pacífica e progressista".

Como psicólogo, Dewey sustentou a idéia de que todas as formas de relação conduziam basicamente a uma adaptação ao meio (funcionalismo)[3].

1.3 Dewey e suas obras

Dewey publicou o seu primeiro livro, denominado Psychology, em 1887. Nesta altura ele já tinha apresentado vários artigos. Mesmo após sua reforma, o mesmo, manteve-se em ativo, e ao longo da sua vida participou na elaboração de 40 livros e apresentou mais de 700 artigos. A correspondência pessoal de Dewey, até hoje, está sendo analisada, para que permita uma melhor compreensão da sua vida e obra.

Conforme nos referimos no parágrafo anterior, Dewey nos deixa o legado de um acervo bibliográfico enorme e rico. Assim, segundo Mondin (ibid.) e Cambi (1999, p.547), o autor em questão, “publicou numerosas obras, das quais as mais importantes são: O meu credo pedagógico (1897), The School and Society - A Escola e a Sociedade (1899), Estudo sobre a teoria da lógica (1903), Como pensamos (1910), Democracia e educação (1916); Reconstrução filosófica (1920), Experiência e natureza (1925), A procura da certeza (1929), A arte em experiência e uma fé comum (1934), Lógica como teoria de pesquisa (1938), Experience and Education - Experiência e Educação (1938) Teoria da avaliação (1939). Na área política, na visão de Cambi (ibid.), Dewey deixou as seguintes obras: “Individualismo velho e novo (1930), Liberalismo e ação social (1935), Liberdade e cultura ((1939), Problemas de todos (1946)” e, antes de sua morte, acontecida em Nova York, no ano de 1952, Dewey, publicou a sua ultima grande obra e original, com o título, “Conhecimento e transação” (1949).

Para o efeito, descrevendo Dewey dentro de uma visão cronológica, diremos que ele nasce em Burlington, a 20 de outubro de 1859. Em 1984 leciona na Universidade de Michigan, onde permanece até 1894. Nesta época edita um semanário socialista, intitulado, “Thought News ”. Neste mesmo ano (1894), ele torna-se chefe do depatamento de psicologia, pedagogia e filosofia da Uuniversidade de Chicago. Já em 1896 cria a “escola laboratório”, 1ª instituição de pedagogia experimental da história. Em 1899 publica “A escola e a sociedade”. 1904 passa a trabalhar na universidade de Colúmbia, onde permanecerá até 1930. Aí ele começa a colaborar na revista “the journal of philosophy”. Em 1914 o assassínio do arquiduque autríaco Francisco Fernadinando desencadeia a 1ª Guerra Mundial. 1919, Dewey pronuncia conferências sobre educação e filosofia em Pequim. 1920 publica a “Reconstrução em Filosofia” e em 1925, a “Experiência e natureza”. Porém, no ano de 1929 a bolsa de Nova York registra violento declínio nas cotações. Aqui se verifica o início da grande crise econômica americana e mundial. Em 1937 ele preside a comissão de investigaçào das acusações contra Trotsky e em 1940 são publicados “Os problremas dos homens” e “A teoria da investigação”. No ano de 1941 Dewey defende a liberdade universitária, quando Russerl é impedido de lecionar em Nova York. Assim, em 1952 Dewey adormece, deixando para o mundo um legado que merece atensão e consideração (DEWEY, 1980, X).

2 Pensando a educação para entender o mundo da democracia em Dewey

Dewey trabalha o conceito da democracia a partir da perspectiva de educação. Nesta ótica, a qualidade das relações mestre-aluno remete-nos à dimensão da filosofia da educação do filósofo, isto é, da dimensão social de educação.

O educador define educação como “processo social de partilha da experiência proveniente, tanto da educação, quanto do simples adestramento dos jovens” (BRUBACHER, 2007, p.16). Neste sentido, Em Chicago, a Escola Dewey
tomou como ponto de partida as atividades comuns nas quais ela estava imediatamente envolvida. O fim da educação era, antes, ajudá-la a resolver os problemas suscitados pelos contatos correntes, com o meio físico e com o meio social. Já que, para a criança, a maior parte desses contatos vinha da casa e da comunidade, Dewey fazia questão, especialmente, de que a escola fosse prolongamento simplificado e ordenado dessas situações sociais. Mas não as futuras atividades do adulto das quais se pensava que a criança participaria nem, “extraí-la” ou desenvolvê-la de acordo com algum modelo remoto, (BRUBACHER, 2007, p.3) [como acontecia na escola tradicional].

O fim essencial da escola tradicional, segundo Dewey, era a preparação para uma vida adulta que, por sua vez, era a preparação para uma vida após a morte. A criança, e mais tarde o adulto, estavam mais preocupados com preparar-se para qualquer fase futura da vida que com o viver ricamente e plenamente o presente. Para exprimir-se na melhor teoria da época, a de Aristóteles, a educação era um desenvolvimento; era a atualização das potencialidades latentes na criança. A educação era um desenvolver-se ou um desenrolar-se para algum fim derradeiro, para algum estado de completo desenvolvimento ou perfeição das potências próprias (ibid., p.1-2).

Na “Escola Dewey” quando uma criança aprende a conduzir-se de certa maneira, ela pode modificar a própria conduta ou o seu modo de agir como adulto, mas se ao fazê-lo, não participa das mesmas idéias e disposições emocionais que movem os adultos, trata-se mais de adestramento que de educação. Dado que Dewey acentuou a compreensão inteligente, daquilo que a gente está em vias de fazer, quase escusa dizer que ele tinha por bom tratar a criança mais como companheiro igual que como meio companheiro no processo da partilha, como pessoa por educar mais que como pessoa por amestrar (BRUBACHER, 2002). Para ele, a educação é, essencialmente, processo social, processo de partilha da experiência. A educação é, "o processo de reconstrução ou reconstituição da experiência, dando-lhe um valor mais socializado, por meio do aumento da eficiência individual" (EBY, 1976, p.7). Por esta razão Dewey define a educação como “um constante reorganizar ou reconstruir de nossa experiência. Ela tem sempre um fim imediato, e, na proporção em que a atividade for educativa, ela atingirá esse fim que é a transformação direta da qualidade da experiência” (DEWEY, 1979, p.75). Ainda, “A educação é para a vida social aquilo que a nutrição e a reprodução são para a vida fisiológica; A educação é, portanto, uma incentivação, um alimento, um cultivo; a palavra educação significa exatamente processo de dirigir, de conduzir ou de elevar” (ibid., p.16-17). Daí, o apelo à democracia, sobre a qual nos vamos debruçar a seguir.

2.1 A democracia em Dewey: revisitando o conceito

A idéia fundamental, neste ponto, é a de trazermos à tona o que Dewey entendeu e deixou como legado a respeito da democracia. Para Dewey, “mais do que uma forma de governo, [democracia] é, primacialmente, uma forma de vida associada, de experiência conjunta e mutuamente comunicada” (1979, p.84). Esta noção é aplicável tanto à família, à igreja, aos negócios, quanto à política e à educação.

Dewey atribuía razão mais profunda ao papel da democracia em educação. Sua vantagem vinha da visão de que a democracia concedia primado à aprendizagem da atividade realizada à luz da mais larga partilha possível da experiência pelo maior número possível de pessoas. Isso não pede apenas ampla liberdade a fim de repartir a experiência, mas, também, a subversão das antigas barreiras de raças, classes ou seitas que perturbavam a livre comunicação. Agindo segundo tais princípios, o mestre podia abandonar toda idéia de que é ditador, ou autocrata, na classe.

A escola democrática repudiava toda efetivação de atividades pelas crianças, cuja significação não era partilhada senão pelo mestre que as comandava. Em lugar de tal autoridade, encorajava as disposições e os interesses voluntários de parte das próprias crianças. E os princípios democráticos que se aplicavam na classe, aplicavam-se, igualmente, a todo o sistema de administração do ensino (BRUBACHER, 2002, p.17). Daí, a razão de ser da afirmação de Dewey (1979, p.16-18), segundo a qual “a escola democrática que ensina as crianças a agir, em suas comunidades, à luz da mais larga partilha possível da experiência, está destinada a ter papel na reconstrução da ordem social”. Para o efeito, notamos em Brubacher (ibid.) que Dewey não era um homem que se deixasse prender no dilema de saber se a “escola é a criadora ou criatura da mudança social”. De seu ponto de vista, a educação e a política são uma e mesma coisa, na medida em que cada uma tem pretensões a uma gestão inteligente dos negócios sociais. Seja qual for, porém, a urgência de uma mudança social Dewey não estava disposto a abandonar os esforços da educação para reconstruir a ordem social ao invés de tentativas violentas. Segundo ele, se uma revolução resultar unicamente de mudança externa do poder, está voltada a correr o risco de uma contra-revolução. Para ter êxito, uma revolução deve ser acompanhada de mudança interna das disposições mentais e morais. Só a educação pode efetuar tais modificações. Mas a educação pede tempo. Por isso, o mestre que se inclina para os resultados rápidos de uma revolução, de preferência à longa sucessão dos resultados da educação, mostra falta de fé na disciplina da educação à qual ele próprio se consagrou.

Brubacher vê em Dewey, em última análise, o senso democrático em educação, isto é, o senso moral. Para Dewey, social e moral não são senão um. Para ele, a moralidade de uma sociedade democrática está no modo como a experiência partilha com os jovens as oportunidades de gestão inteligente dos negócios sociais. Para o efeito, a pedagogia consistirá na partilha, com o aluno, não somente do capital baseado na experiência da raça, mas, também, a experiência do fazer e do agir segundo as próprias decisões. Nesta ótica, Dewey confiava “na inteligência humana e na maestria dessa inteligência no dirigir a experimentação num universo precário. A busca de alguma certeza absoluta, acima e para além, das atividades e das provas ordinárias da experiência, não recebia, dele, nenhum encorajamento” (ibid.).

Em ‘Democracia e Educação’, Dewey “afirma que uma sociedade democrática plenamente educada é o único meio aceitável de organização e governo social” (GILLES, 1987, p.4). Esta obra teve grande impacto sobre os educadores no meio da enorme guerra européia, pois os Estados Unidos da América só entram em luta a 6 de abril de 1917, isto é, mais tarde. Ademais, Dewey elabora essa obra numa sociedade com graves problemas internos, sobretudo o racismo e as minorias étnicas rejeitadas, cenário muito parecido com a realidade européia. Também, apesar de toda retórica, na sua maioria, a população do país não estava alfabetizada e tampouco se tratava de uma democracia autêntica. O poder estava seguro nas mãos da oligarquia comercial-industrial. Esta controlava o acesso à tão afamada mobilidade social. O sistema escolar elogiava a concorrência, mas mantinha o povo na sujeição. Assim, a “Democracia e Educação”, propunha a aurora de uma nova época (ibid.).

Democracia, para Dewey: “tem significação moral e ideal, pois se exige de todos, uma retribuição social e se proporciona, a todos, oportunidade para o desenvolvimento das suas aptidões distintivas. O divórcio dos dois objetivos na educação é fatal à democracia; a adoção da significação mais restrita de eficiência priva-a de sua justificação essencial” (DEWEY, 1979, p.115).

Nesta ótica, “A democracia não pode florescer quando os principais critérios para a escolha das matérias educativas são os fins utilitários estreitamente concebidos para as massas, e, quando se escolhem para a instrução mais elevada dos outros poucos, as tradições de uma classe instruída especializada. A noção de que os elementos essenciais da educação elementar são os três R (Reading = ler, wRiting = escrever e Reckoning = contar), baseia-se na ignorância das coisas essenciais requeridas para a realização dos ideais democráticos” (DEWEY, 1979, p.178).

A democracia em Dewey, por definição, salienta Gilles (1987, p.5), “fundamenta-se num profundo compromisso com o valor interior e a dignidade de todas as pessoas”. A mesma é a “forma de vida que privilegia o empenho coletivo em favor do igualitarismo” (ibid., p.15). E as bases de toda a educação democrática devem ser rigorosamente científicas. Neste contexto, Dewey insiste em afirmar que a escola deve ser um laboratório social, onde o aluno aprende a submeter as tradições à prova do pragmatismo. Ademais, trata-se de um processo contínuo, pois a escola deve desenvolver no aluno a capacidade de enfrentar problemas também no futuro e sempre de acordo com os princípios do método experimental (ibid., p.5).

Porém, o que define a essência da democracia é seu caráter de vida compartilhada; nesse sistema político, as necessidades individuais, muitas vezes divergentes, encontram seu ponto de convergência mediante os propósitos do trabalho cooperativo. Os interesses do indivíduo e as exigências sociais constituem aspectos complementares que dão significado e direção tanto ao comportamento do indivíduo quanto ao da sociedade. (GILLES, 1987, p.21). é interessante saber que em Dewey encontramos a certeza de que a democracia desfaz a tradicional dicotomia entre o indivíduo e a sociedade; nesse sistema político, o caráter individual é social, uma vez que os fins coletivos brotam da ação conjunta, da experiência, e não constituem uma imposição estranha (ibid). A democracia, neste sentido, é o único sistema de vida que pode possibilitar esse requisito indispensável ao florescimento da inteligênci" (ibid).

A sociedade democrática genuína, no pensamento de Dewey (1979, p.5) é caracterizada pela maior participação possível dos indivíduos na experiência do grupo e pela maior interação possível entre os vários grupos. Esta sociedade rejeita todas as divisões ou oposições tendentes a isolar pessoas ou grupos, de modo a tornar-lhes o conhecimento unilateral, e a conduta moral discriminatória e injusta. É também importante perceber que em Dewey, não há democracia autêntica sem indivíduos mentalmente capazes de colaborar para o bem comum e de mudar as estruturas sociais, não introduzindo confusão ou desordem; nem há democracia genuína sem educação do pensamento reflexivo, capaz de discussão objetiva e prova experimental, avesso ao debate emocional, à precipitação confusionista e à mania de improvisação (ibid., p.7).

Assim, uma vez que a sociedade democrática repudia o princípio da autoridade externa, deve dar-lhe como substitutos a aceitação e o interesse voluntários, e unicamente a educação pode criá-los. Mas há uma explicação mais profunda (ibid., p.84).

Portanto, “uma sociedade democrática deve, em sua interferência na educação e coerente com seu ideal, permitir a liberdade intelectual e a manifestação das várias aptidões e interesses” (DEWEY, 1979, p.293).


3 À guisa de conclusão: pensamento de Dewey, democracia e escola em Angola
Se de um lado o problema da democracia em Dewey torna-se, na obra Liberalismo e ação social de 1935, o problema daquela forma de organização social que se estende a todo caminho da vida, pelo qual as forças individuais não deveriam ser simplesmente libertadas de constrições mecânicas externas, mas também deveriam ser alimentadas, sustentadas e dirigidas (REALE & ANTISERI, 2003, p.513);

"Se a fé na democracia como método é a fé em uma forma de vida onde as forças propositivas e críticas do indivíduo não são apenas toleradas, mas estimuladas, para que as necessidades reais sejam enfrentadas com objetivos espontâneos e originais, ao invés de serem simplesmente transmitidas no quadro da tradição extinta (ibid.);
Se o individuo se torna sujeito cognoscente em virtude de seu empenho em operações de pesquisa controlada, da mesma forma o eu ou a pessoa só se constitui no ato pelo qual, criticando, por exemplo, uma instituição política em nome de instituição melhor, o individuo emerge do espírito do seu grupo e de sua época; se com tudo isso se pode verificar a aversão de Dewey pela sociedade planejada" (ibid.);

Se o que ele almejava e defendia era a sociedade que se planejava constantemente do seu interior, atenta, portanto ao controle social mais amplo e articulado dos resultados (ibid.); se a escola democrática, como o referencia Cambi (1999, p.551), não deve apenas adequar-se às transformações ocorridas no âmbito do social, mas deve promover na sociedade um incremento progressivo de democracia, isto é, de capacidade por parte dos indivíduos de participar como protagonistas da vida social e de inserir-se nela com uma mentalidade capaz de dialogar com os outros e de colaborar em objetivos comuns livremente escolhidos;

Se à escola é confiado o papel de transformar até politicamente a face da sociedade, de torná-la cada vez menos repressiva e autoritária e de desenvolver os momentos de participação e de colaboração (ibid.); se para que a educação possa realizar de modo adequado sua tarefa de formar o homem democrático e incrementar o nível de democracia de uma sociedade, precisa colocar no centro da formação intelectual e moral o método da ciência;

Então podemos dizer que em Angola (centro-sul), a tradição pré-colonial, isto é, a cultura ondjangiana transmitia os conhecimentos de geração em geração pela oralidade através do diálogo de igual para igual mediatizado por alguém deputado pela comunidade e pela e simbologia.

Para o efeito, este diálogo realiza-se num espaço vital, no qual, em mesa redonda (forma circular), partilhando o alimento, fazia-se acontecer a educação não-formal, uma educação que fazia a leitura do mundo da vida, sem porém, fazer, de modo sistemático, a leitura crítica e empoderada da palavra com o controle livre das próprias idéias; entretanto, a invasão colonialista e religiosa, forçada e acerrimamente, procurou silenciar a cultura ondjangiana, os usos e hábitos dos encontrados, considerando-os de selvagens, incutindo-lhes novos hábitos e costumes, os considerados civilizados e humanos. Esta nova cultura tendo chegado com limites permitiu que a época pós-colonialista fosse marcada pela interdominação, interexploração, guerrilhas internas interculturais, fratricidas e genocidas.

Trata-se da cultura do amém presente antes, durante e depois da colonização.
Parecendo que não, a própria escola angolana ficou fortemente ferida por este câncer de corrupção, exploração, despotismo, e a educação que se faz acontecer é, fundamentalmente, a bancária, onde não se permite ao aluno pensar, questionar refletidamente, perpetuando, assim o veneno inoculado pela invasão cultural e religiosa, explicitamente deixado como legado negativo por Salazar quando ao limitar a cultura letrada do povo encontrado, à 4ª classe ou série para que permanecesse na obediência e na humildade (KAVAYA, 2002, fls.2), que em outras palavras, na “cultura do amém” (KAVAYA, 2006), oprimida, sem liberdade humana, e, portanto, sem democracia.

Apesar do ensaio democrático do país que caminha a passos de camaleão ainda precisamos escutar Dewey e com ele nos orientar como país na busca de uma nova sociedade colaborativa, participativa, e. sobretudo, que invista, na escola como criadora e não criatura da mudança social, promovendo na sociedade um incremento progressivo de democracia, isto é, de capacidade dos indivíduos em participar como protagonistas da vida social e fazer a inserção na mesma, com a mentalidade capaz de dialogar com os outros e de colaborar em objetivos comuns livremente escolhidos.

[1]- Este texto surge como requisito para finalizar o Seminário de leituras dirigidas sobre John Dewey, Assessorado pelo Prof. Dr. Gomercindo Ghiggi, no Curso de Pós-Graduação em Educação – Doutorado em Educação da Universidade Federal de Pelotas, Faculdade de Educação. O referido Seminário aconteceu no 1º Semestre de 2007, com a carga horária de 45 horas.

[2]- Mestre e Doutor em Educação pelo Programa de Pós-Graduação e, Educação da Faculdade de Educação da Universidade federal de Pelotas, RS – Brasil.

[3]- http://biografias.netsaber.com.br/ver_biografia_c_292.html acesso a 01/08/2007.


REFERÊNCIAS

Brubacher, John S. A Pedagogia de John Dewey (digitação, diagramação e impressão de José Lino Hack). Pelotas, FaE/UFPel, março de 2002.

CAMBI. Franco. História da pedagogia (tradução de Álvaro Lorencini). São Paulo; Fudação Editorada UNESP (FEU). 1999, 701 p.

DEWEY, John. Experiência e Natureza; Lógica: a teoria da investigação; A arte como experiência; vida e educação; Teoria da vida moral (trad. de Murilo Otávio Rodrigues Paes Leme, Anísio S. Teixeira, Leônidas Gontijo de Carvalho). São Paulo; Abril Cultural, 1980, 323p. (Os Pensadores).

DEWEY, John. Democracia e Educação: Introdução à Filosofia da Educação. 4ª ed. São Paulo, Editora Nacional, 1979, 420p. (Seleção, digitação, diagramação e impressão de José Lino Hack. Pelotas, FaE/UFPel, janeiro de 2002).

EBY, Frederick. História da Educação Moderna: Séc.XVI/Séc.XX – Teoria, Organização e Prática Educacionais. 2ª ed. Porto Alegre, Ed. Globo, 1976, 633p. (digitação, diagramação e impressão de José Lino Hack. Pelotas, FaE/UFPel, março de 2002).

GADOTTI, Moacir (org.). Paulo Freire: um biobibliografia. São Paulo; Cortez & instituto Paulo Freire; Brasília, DF; UNESCO, 1996, 765p.

GILES, Thomas Ransom. John. Dewey: A Escola Laboratório Social; In, GILES, Thomas Ransom. História da educação. E.P.U. São Paulo, 1987; pp. 259-264. Digitação e diagramação de José Lino Hack. Pelotas, outubro de 1999.

REALE, Giovanni & ANTISERI, Dario. O instrumentalismo de John Dewey (Capítulo XVII). In, ___________ História da Filosofia: do romantismo até nossos dias (Vol. III), 6ª ed. São Paulo; Paulus; 2003, p.503-514 (coleção filosofia).

HUSSERL, Edmund. A crise da humanidade Européia e a Filosofia. (Introdução e Tradução de Urbano Zilles); coleção Filosofia - 41. 2ª Edição. Porto Alegre; EDIPUCRS. 2002, 96p.

KAVAYA, Martinho. Quo Vadis Ganda? Perspectivas para uma Ganda nova e renovada em tempos de paz. Ganda; Governo Municipal da Ganda, 2002.

KAVAYA, Martinho. Educação, Cultura e Cultura do “Amém”: diálogos do Ondjango com Freire em Ganda – Benguela / Angola (Dissertação de Mestrado). Pelotas, PPGE, 2006, 303p.

MONDIN, Battista. Curso de Filosofia: Os filósofos do Ocidente (tradução do Italiano Benôni Lemos; revisão de João Bosco de Lavor Medeiros - coleção Filosofia – 3), Vol.3. São Paulo; Paulus, 2003, 303p.

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